domingo, 9 de fevereiro de 2014

Daquelas coisas que se previu para o ano seguinte.

O carnaval já passou, e aqui continuo meu baile de máscaras.
Mascarando a dor do convívio, mascarando o dia-a-dia, massacrando a alma.
...
_ Uma xícara de calma, por favor! - grito ao garçom.
_ Com ou sem gelo? - retruca o mesmo.
_ Meu coração é quente demais, pode ser sem gelo mesmo pra não estuporar, minha vó disse que qualquer coisinha estupora.
_ Algo para comer? - perguntou-me ele.
_ Não, estou vegetariando. Já senti tanto o cheiro da carnificina que fizeram aqui dentro que me enjoa essas carnes humanas... Mas, tem alma açucarada?
_ Temos sim. Qual sabor deseja?
_ Qualquer um. Meu palato já não sente nada mesmo. Já deixei tanto grudado na boca, nos dentes, na goela, só restou as cáries pelos restos que mordi.
Ele sai, e em tempo hábil retorna com o meu pedido. Mas estou tão impaciente, tão indecisa que desisto da ceia.
_ Pronto. Aqui está o seu pedido. Bon Appetit!
_ Ah... muito obrigada, mas desisti. Percebi que estou entupida com os desaforos de agora a pouco. Acho que ainda não fiz a digestão.
E ele com cara preocupada de quem quer agradar ao cliente me aconselha.
_ Você deveria experimentar um pouco de colo. Deseja que eu traga uma porção?
_ Não muito obrigada! - respondi com o mesmo tom afável com o qual ele me dera a opção de novo pedido. - O senhor me serviu muito bem, mas preciso ir. Acho que vou dar um mergulho pra passar o tempo.
Ele ainda muito cordial me dá novo rumo.
_ Há uma piscina nos fundos do hotel aí na frente. Você poderia se refrescar lá. É só seguir pela lateral da recepção e seguir a placa onde diz 'Acesso ao Amor Próprio.'.
Eu o neguei. Neguei o destino que ele me dera.
_ Obrigada pela atenção, mas já me decidi, vou ao clube ao lado, tem uma piscina enorme que me indicaram na estrada pra cá. Disseram que é só olhar a placa 'Água da Mágoa', não tem erro.
E fui-me, ainda de cabeça baixa mas seguindo os passos que eu só vi na sombra que fazia na calçada. 
Achei aquele rosto tão cordial, tão amável, e ainda me perguntava se eu o tinha agradecido o suficiente pelo bom atendimento. Mas poderia voltar depois para experimentar o que ele me oferecera, pois lembrava o nome dele, ele se chamava Subconsciente. Percebi que logo voltaria para agradecê-lo.


Escrito em 07 de março de 2013.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Daquelas viagens que se faz só e deixa pedaços.

Eram dois lápis de cor.
Dois, um par de lápis de cor.
Um preto e um branco.
Dois lápis de cor.
Um de cor preta e um de cor branca.
Dois.
Era um folha de papel.
Uma folha em branco.
Uma única folha de papel em branco.
Papel em branco.
Uma.
Dois lápis de cor a escrever num único papel em branco.
Os dois lápis de cor.
Um preto e um branco.
Dois lápis riscando o papel.
O preto riscava, o branco era papel em branco.
O preto primeiro, o branco depois pra nunca mais,
Depois de tanto, de tudo, o branco primeiro.
Depois do branco e tudo, o preto em segundo.
Era uma única folha de papel em cinza.
Uma única folha de papel.
Agora toda cinza.
Eram dois lápis de cor.
Dois lápis, um preto e um branco.
Uma única folha de papel em cinza e dois lápis de cor, um preto e um branco.
Eram uma folha de papel, uma cor cinza e dois lápis de cor, um preto e um branco.
Eram todos eles num dia que era sépia.
Colorindo o dia sépia, dois lápis de cor, um preto e um branco numa folha de papel em branco fotografando em cinza o dia sépia.
Era fim de tarde em Paris.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Daquelas coisas que não tem limite quando se está só.

No limite de mim.
No limite da consciência das coisas inconscientes que faço.
No limite das conversas sem limite nas esquinas chuvosas.
O limite das esperas.
O limite das cheganças.
O limite das querências sem limite.
No limiar do são e da insanidade.
Limitando a minha sanidade.
Ilimitando as minhas curas procuradas.
Imitando as palavras que não disse.
Incompreensíveis atos de limitações depravadas.
A minha depravação emocional.
O meu descuido comportamental.
O meu desvio de caráter.
A minha boca suja de chocolate pra aplacar o gozo.
A vontade do gozo nos dedos sujos de doce e pipoca salgada.
A goela encharcada daquilo que meus olhos mostraram.
O fim de tarde em sépia e a noite em pranto.
A renda rasgada das meias sete oitavos.
As unhas descascadas nos lábios inquietos.
A força do púbis solitário nos lençóis frios.
Dos seios frios nos lençóis amassados.
A boca aberta dos gemidos também sós e calados.
Os latidos, os cigarros, as cachaças.
A cachaça encharcando o colo como os olhos encharcam os travesseiros.
O limite do que aguentei só.
O limite do pranto e do canto calado no canto da sala.
Os pés no chão frio e as pernas trêmulas.
No limite do estar só.
No limite de mim.