quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Do Conto VI

QUINTO CONTO DOS CORAÇÕES ÉBRIOS
Por Marlua

Dessas coisas todas que acontecem como se houvesse um furacão.
Desses rodamoinhos como se brincassem de ciranda com meu coração. Alçava voo meu passarinho preso em gaiola de carne e osso, mas com um vácuo que permitia o voo como se a vida fosse apenas planar no olho do furacão.
Onde já se viu voo no vácuo? Era tão sublime e eficaz que ele foi mantido assim, como todas as coisas em volta. Redoma de carne, costurada e pulsando. Ele não ouvia bem te vis nem mesmo o colibri, ele ouvia o canto estridente de todo o nada, o grito mudo do silêncio.
As letras de música, os toques errados no violão, o ukulelê levando  ele pra longe em seu cérebro pequeno e selvagem. Era como cantar no banheiro, ecos de todas as partes, voz uníssona e asas paradas, planando...
Ele bicou o vinho que apareceu do nada, ele gorjeava e nada. Ele pendia das amarras de carne. A única coisa viva dentro dele era o sopro do vácuo, aquele que nunca desce à garganta, aquele que nunca é mastigado, que permanece com o bico aberto em sons miúdos e agudos. Um grito de dor.
Um pássaro ébrio, num coração no vácuo, costurado e pulsante. Aorta amarrada no seio latejante. Veias serenas até que murchem e cessem os cantos.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Do Conto V

QUARTO CONTO DOS CORAÇÕES ÉBRIOS
por Marlua


Na festa das caravanas, das lonas coloridas, das fogueiras acesas, acesas nos corações. Era ela, o cântico, a cantiga e as danças. Toda vestida, justa e desnuda. Toda cabeça e tronco firme. Toda ela viajando do Caribe às touradas. A pele alva e pintada, as unhas gastas e assimétricas. Noutro lado a metade inteira. A mistura de homens guerreiros e suas helenas. A boca nua e o sorriso aberto. Na alta noite que se ia. O coração sedento e as veias pulsantes nos braços largos. As fêmeas embriagadas.
Toda a festa era em uníssono contra a dança que estava prestes a começar. Toda a festa era boca gulosa a fim de engolir a cigana. Esta por sua vez era boca de comer mundo, era pecado da gula. Fagocitando os olhares e os desejos explícitos em cada gesto. Deglutindo os sonhos descompassados como o toque da percussão. Cuspindo os erros de outrora. Boca de comer mundo.
A surpresa da vinda, da chegada, e mais ainda da inesperada estadia. 
Cessaram-se os uivos, os descompassos e a ceia. 
Novo encontro de mesmos corpos, novo beijo de mesmas bocas, novo mundo de mesmo Adão e mesma Eva, novo Éden. O asfalto quente, a brisa fria, as mãos e o peso nelas. Ah... E essas mãos querendo passear outros rumos. Esses rumos querendo o mesmo caminho e negando a caminhada.  
A tenda esperada. A vergonha do já conhecido, isso até as bocas se reencontrarem.
Era festa da uva. Baco em seu leito e suas virgens.