SEGUNDO CONTO DOS CORAÇÕES ÉBRIOS
por Marlua
A boca da noite na boca da onça. A boca
escancarada e cheia de dentes esperando os amores chegarem. O pedido de paz e
de novo caminho. A boca rota pela areia branca no gargalo das garrafas vazias.
Era ela. Sequelas de amores vãos. Sequelas de
carinhos esguichados como garrafas de champanhe. Olhares como taças em cascata
na noite de ano bom. As mãos entrelaçadas nas mãos secas que não eram suas. As
gargalhadas mais escandalosas que as coxas desnudas. Amizades pernetas, brisa
fria, brisando fraco. ‘Chuá... Chuá...’. Sete ondas vadias lambendo suas pernas
esguias, molhando suas coxas e seu ventre feito casal apaixonado em lua de mel.
O segundo pedido.
A bexiga cheia, a cabeça tonta, a andança.
Corpos felizes e copos vazios. De todas as frutas tropicais e suculentas, era
ela quem soltava o sumo. A fruta polpuda, macia, pronta para qualquer sorte. Ao
lado a faca afiada, fina, comprida, gelada, pronta para o corte. Na estrada
ereta a passos largos a onça ébria e sedenta. A seu lado a presa fácil, lerda e
não menos bêbada.
A anágua feito flor, orquídea rubra e alva
sendo exposta pela pélvis encharcada de sangue. Se não fossem duas elas, duas
fêmeas, duas vulvas, talvez o abrigo e o banho lhe fosse negado. A água quente
alvejando a flor desabrochada, amolecendo o talo daquela que foi fruto antes de
ser flor. Borrando o rímel negro e a boca carmim.
Filmado pelas mãos trêmulas entre a genitália
e pelos olhos negros de pé na porta, selou-se o aborto. Amor abortado no
litoral, cozido na água quente, ao ponto, como se faz galinha ao molho pardo.
Aborto de ano ou mais.
É réveillon. Viva o ano bom!
Nenhum comentário:
Postar um comentário